São Dionisio de Paris

No alto da colina de Montmartre, a poucos quilômetros da Catedral de Notre-Dame e do Palácio do Louvre, destacam-se em Paris a alva cúpula e a esguia torre de pedra da monumental Basílica construída em honra ao Sagrado Coração de Jesus.

Quais acontecimentos deram origem à grandiosa Basílica?

De “Monte de Marte” a “Monte dos Mártires”

Para bem responder a esta pergunta, remontemo-nos à época galo- romana, quando a colina na qual ela se eleva era conhecida pelo nome de Mons Martis (Monte de Marte), por haver ali um templo dedicado ao deus da guerra. Nela ocorreu um importante fato da história dos primórdios do Cristianismo.

Narra São Gregório de Tours que em torno do ano 250 o Papa enviara sete missionários para evangelizar a atual França, entre eles São Dionísio. Estabelecendo-se às margens do Sena, na cidade então chamada de Lutécia, hoje, Paris, conseguiu ele formar uma comunidade cristã, da qual se tornou o primeiro Bispo. Corriam, entretanto, tempos de ódio e de perseguição aos cristãos. Denunciado às autoridades romanas, Dionísio foi decapitado no Monte de Marte, por volta do ano 270, juntamente com dois companheiros, o presbítero Rústico e o diácono Eleutério. Desde então a colina passou a denominar-se Monte dos Mártires, dando origem ao atual nome francês Montmartre.

Local de peregrinação

Devido à sua localização privilegiada, com uma bela vista da Cidade Luz e do rio Sena, a rainha Adelaide de Saboia, esposa do rei Luís VI, mandou edificar ali, no ano de 1133, uma igreja em honra do Príncipe dos Apóstolos e um mosteiro para monjas beneditinas. Após a morte do monarca, a própria rainha retirou-se para esse convento, que se tornaria mais tarde uma das mais importantes abadias da ordem na França.

Ao longo dos séculos, numerosos santos – como São Bernardo, Santa Joana d’Arc, São Vicente de Paulo – acorreram a essa colina em peregrinação. Pelas encostas de Montmartre subiram também sete homens robustecidos pelos Exercícios Espirituais que, atraídos pela bênção do lugar, desejavam emitir seus votos religiosos na cripta onde se supunha ter ocorrido o martírio de São Dionísio, da qual quase nada resta atualmente. Eram eles Santo Inácio de Loyola com seis discípulos seus. Ali se constituiu o primeiro núcleo da Companhia de Jesus, na festa da Assunção de 1534.

Outro grande marco da história do Monte dos Mártires deu-se em 1611, quando foram encontradas na cripta da capela do mosteiro das beneditinas inscrições indicando o exato local do martírio do santo Bispo Dionísio. A própria rainha Maria de Médicis quis comemorar essa descoberta, conduzindo toda a Corte em peregrinação ao local.

Vítima da Revolução Francesa

A Revolução Francesa truncou a multissecular história da abadia beneditina de Montmartre: em 1792, o prédio foi destruido e as religiosas dispersaram-se. Várias delas, entre as quais a última abadessa, Madre Maria Luisa de Montmorency–Laval, caíram vítimas da guilhotina.

“São Dionísio” – Catedral de Notre Dame, Paris

Num grotesco ritual realizado diante da urna contendo os restos mortais de Marat, a colina foi rebatizada com o nome de Mont-Marat. E um padre apóstata levou o ridículo, ao extremo, de comparar o coração do pretenso “amigo do povo” ao Sacratíssimo Coração de nosso Redentor…

A instabilidade política pela qual passou a França depois da Revolução de 1789 prolongou-se por quase cem anos. E a situação mostrava-se especialmente grave em fins de 1870, após a pesada derrota sofrida pelo país na Guerra Franco-Prussiana.

“Voto Nacional” para construção da Basílica

A graça de Deus, porém, tocou a fundo os corações dos franceses nesse cenário de tragédias e incertezas. Lembrando as revelações que Nosso Senhor fizera dois séculos antes a Santa Margarida Maria Alacoque, em várias cidades os fiéis faziam promessas ao Coração de Jesus, suplicando ao Divino Redentor a restauração da pátria e a libertação do Papa Pio IX, então prisioneiro no Vaticano.

Impulsionado pelo padre jesuíta Henry Ramière, um destacado leigo católico parisiense, Alexandre Félix Legentil, redige o esboço de um “Voto Nacional ao Sagrado Coração de Jesus para obter a libertação do Soberano Pontífice e a salvação da França”. Impresso e distribuído ao público, em pouco tempo as folhas encheram-se de milhares de assinaturas. Prometiam os signatários, em concreto, colaborar para erigir em Paris um santuário dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. Por sugestão do Arcebispo Dom Joseph-Hippolyte Guibert, escolheu-se para a construção o cume da colina de Montmartre.

Entusiástica adesão do povo fiel

Apesar da tremenda crise financeira na qual jazia a França do pós-guerra, o projeto de construção da nova basílica contou desde o início com entusiástica e generosa participação do povo fiel: desde simples operários até membros destacados do clero e do governo aderiram à iniciativa. No total, foram recolhidos mais de 46 milhões de francos.

Entre os quase 10 milhões de doadores, destacam-se o próprio Papa Pio IX, o qual fez uma oferta pessoal de 20 mil francos, e uma jovem de Lisieux chamada Teresa Martin, que enviou seu bracelete para ser fundido e usado na confecção do grande ostensório do Santíssimo Sacramento. Poucos anos depois, ela passou para a História com o nome de Santa Teresinha do Menino Jesus.

A pedra fundamental do novo templo foi colocada em 16 de junho de 1875; um ano mais tarde, celebrou-se a primeira Missa numa capela provisória. As obras avançaram com a rapidez possível num projeto de grande envergadura nas difíceis circunstâncias da época. A monumental igreja foi acabada em 1914.

No teto da abside contempla-se o maior mosaico do país, representando o Sagrado Coração de Jesus glorificado pela Igreja e pela França, chamado Cristo em Majestade. Em sua base, lê-se esta divisa em latim: Christo ejusque Sacratissimo Cordi Gallia poenitens et devota (A Cristo e a seu Sacratíssimo Coração, a França penitente e devotada).

Adoração Eucarística ininterrupta

Em 1885, iniciou-se na Basílica, ainda em construção, a Adoração Perpétua ao Santíssimo Sacramento. Desde então, graças ao fervor de adoradores anônimos, ela não se interrompeu sequer em momentos de grandes tragédias, como no dia em que as tropas alemãs invadiram Paris, em 1940, e na noite em que o edifício tremeu e os vitrais despencaram sob o impacto das bombas lançadas pela aviação de guerra anglo-americana, em 1944.

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