A Sagrada Eucaristia constituiu um dos principais pilares da espiritualidade de Dr. Plinio. Inaugurando a seção “Ardoroso devoto da Eucaristia”, procuraremos dar a lume o amor que transbordava de sua alma: “A boca fala do que transborda o coração!” No presente artigo, Dr. Plinio nos ensina a bem nos prepararmos para a Sagrada Comunhão.
Para compreender a variedade de métodos e modos que há para realizar a ação de graças e a preparação para a Comunhão, é necessário compreender o modo pelo qual a graça trabalha as almas. O Apóstolo São Paulo afirma que “stella differt stella”(1) — uma estrela é diferente da outra. Desta forma, não existem dois santos iguais, pois cada qual tem sua vida espiritual própria, com características inconfundíveis. E, como não pode deixar de ser, a graça guia cada alma no caminho da virtude de acordo com seus desígnios, proporcionando atrativos, ou também aversões, que modelam o espírito e indicam o itinerário que a alma deve seguir.
Portanto, não se pode dizer que um método de preparação para a Comunhão é igualmente válido a todas as almas.
Entretanto, São Luís Maria Grignion de Montfort possui um ponto de vista marial para a Comunhão, onde ele coloca Nossa Senhora como mediadora entre Deus e quem recebe a Eucaristia. Isto sim é valido para todos os católicos, em todos os tempos e lugares. Sendo a variedade de métodos imensa, descreverei, então, um que possa ser benéfico a todos.
Ação de graças por meio de Maria
Sendo Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Maria Santíssima é perfeita. Ele A criou com tudo quanto Ela deveria possuir para ser sua Mãe. Concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser; Virgem antes, durante e depois do parto, de tal forma perfeita, que em todos os instantes de sua vida nunca deixou de corresponder inteiramente à graça de Deus, estava numa altura inimaginável de virtude quando chegou o momento bendito em que Deus resolveu colhê-La da Terra para o Céu!
Nossa Senhora é também Mãe de todos nós, e a Mãe tem sempre pena do filho mais esfarrapado, mais torto e mais desarranjado. Quanto pior o filho, mais Ela se compadece.
Devemos, pois, ao receber a Eucaristia, nos colocar na presença d’Ela como filhos necessitados, implorando que Ela tenha pena de nós. Naturalmente, Ela sempre se compadecerá em relação aos seus filhos. E quando o Divino Filho d’Ela vier a nós na Comunhão, será por sua intercessão.
Contudo, o pedido feito por Maria a seu Divino Filho, é que Ele entre na “cabana” que é a alma de cada um de nós. Mas essa “cabana” pode ser ordenada e enfeitada por Nossa Senhora, para que esteja agradável a Ele. E, como a intercessora é a própria Mãe d’Ele, Nosso Senhor se sentirá comprazido.
Por isso devemos pedir que Nossa Senhora esteja espiritualmente presente em nossa comunhão a fim de que preencha, de algum modo, o infinito espaço que nos separa de seu Divino Filho, o qual nos acolherá satisfeito por havermos recorrido à sua Mãe. Ele então nos dirá: “Tu és um filho de Maria, minha Mãe; pede-me o que queres”. Ao que devemos responder: “Senhor, antes de pedir, eu Vos agradeço! Quanta bondade, quanta misericórdia! Mas, como agradecer-Vos suficientemente? Suplico, pois, à Vossa Mãe — que também é minha — que agradeça por mim”.
Servir-se das moções espirituais na preparação para a Comunhão
Ao nos prepararmos para a Sagrada Comunhão, devemos também rememorar alguns momentos do dia que tivemos, como também as perspectivas do dia que ainda teremos diante de nós. Não me refiro aos problemas corriqueiros, mas sim, aos de nossa vida espiritual.
Supondo que se faça uma Comunhão vespertina, devo me perguntar como foi meu dia em matéria de vida espiritual: o que necessito, o que desejo, o que mais profundamente tocou minha alma e o que a atraiu mais durante o dia. Isto mais facilmente nos estimulará a um ato de amor, de louvor e de reparação mais perfeitos.
Caso haja um pensamento que considere ser mais fecundo para minha alma, é louvável concentrar nele minha atenção. Muitas vezes esses pensamentos correspondem a um atrativo especial da graça à alma.
Podemos também apanhar uma invocação de alguma ladainha que tenha tocado mais especialmente, por exemplo, a do Sagrado Coração de Jesus, e meditar sobre ela. Este é um modo muito vivo — e para muitas etapas da vida espiritual, excelente — de nos preparar bem.
Uma das invocações muito bonitas nesse sentido é: “Coração Eucarístico de Jesus”. Meditando nesta jaculatória, adoramos Nosso Senhor enquanto tendo o desejo de instituir a Eucaristia, movido por aquele amor especial que Ele demonstrou na última ceia: “Desejei ardentemente comer convosco esta ceia”.
O Coração Eucarístico de Jesus, transbordante de misericórdia, vem a nós na Comunhão; peçamos então que o Imaculado Coração de Maria nos prepare para bem recebê-Lo, a fim de que na Sagrada Eucaristia recebamos especialmente as graças que dizem respeito ao cumprimento de nosso chamado individual.
Este é um modo bonito e lícito de variar as ações de graças e as preparações para a Comunhão, quase ao infinito, de acordo com a inclinação e as aspirações da alma.
Aridez e consolação: benefícios distintos, porém, eficazes!
Haverá também ocasiões onde nossas Comunhões — segundo a linguagem muito adequada da piedade católica — serão áridas. Assim como a terra árida não produz fruto, temos, muitas vezes, a impressão da aridez em nossa alma: comungamos e não sentimos nada.
Reza-se e pede-se, mas tem-se a sensação de que nossas súplicas foram meros termos piedosos sem nenhuma profundidade. Nessa situação, qual o valor de aproximar-se do sacramento da Eucaristia? A pergunta que parece ser tão razoável, quando bem analisada mostra-se infantil.
Seria como a pergunta de uma pessoa que toma um remédio cientificamente certo de produzir um bem incalculável. Após a ingestão, e nos dez minutos que se seguem, não se sente melhora alguma. Neste caso, diríamos que tal medicina é ineficaz? Claro que não: seus efeitos se prolongarão no decurso dos dias, e até dos anos. Só então sentir-se-á a melhora desejada.
Algo parecido dá-se, sem dúvida, com a Sagrada Comunhão. Muitas vezes comungamos, mas a ação de graças é árida; abrimos um livro de piedade, mas o livro não nos inspira nada; temos impressão de que não adiantou rezar.
Ora, Deus visitou minha alma, mas a presença d’Ele foi inútil? Aquele que é Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra, de todas as maravilhas, esteve presente em mim, e não me fez um bem sequer?
Devemos ter presente que, não raras vezes, a Comunhão inteiramente árida traz, em si, mais vantagens para a alma do que aquela que nos dá consolações inúmeras. Isto porque Nossa Senhora e Nosso Senhor querem, como homenagem, que peçamos ainda quando não percebemos como nossa oração Lhes é grata.
Ou seja, Ele não desejou que este contato fosse sensível, para que minha Fé crescesse. Pois muitas vezes Ele nos prova a fim de verificar se somos daquela espécie de almas que só creem quando sentem: “Tomé, tu creste porque viste? Bem-aventurados os que não viram, mas creram!”
São Francisco de Sales, exímio nas comparações encantadoras, tem um magnífico exemplo:
Dois cantores apresentam-se sucessivamente ao rei.
Um deles é normalmente constituído em sua natureza física, e, enquanto canta, vê a fisionomia de encantamento do rei ao ouvi-lo. Ele ouve sua própria voz, nota como ela é bela, compreende como o rei se deleita com seu cântico, e, enfim, contenta-se em ver o rei comprazido. Este homem possui duas alegrias: de ver o encanto do rei, e de ouvir a sua própria voz.
O outro cantor, por sua vez, é cego e surdo! Ele não vê o rei, contudo sabe que o rei está lá; não ouve sua própria voz, mas diz ao rei: “Senhor, eu estou aqui por obediência. Na minha ‘noite’, eu não vejo onde estais; na minha surdez, não ouço minha voz; mas para fazer a vossa vontade eu cantarei, encantado de saber que minha voz também vos agradou!”
Qual dos dois músicos dá maior prova de amor ao rei?
Pois bem, muitas de nossas Comunhões são as do “cego e do surdo”. Não vemos, nem sequer sentimos a presença de Nosso Senhor em nós. Não percebemos como é bela a nossa súplica, nem como Ele se encanta com ela. Mas, pela Fé, cremos que estamos em estado de graça, e que Ele se alegra de estar em nós, ao ponto de dizer: “Minhas delícias consistem em estar com os filhos dos homens”.
Ele estará realmente presente em mim, embora na aridez. Nestas horas, será de grande benefício lembrarmo-nos disso.
Aproveitando as perspectivas angustiosas…
Quando o meu dia não tenha contribuído para a sensibilidade eucarística, mas, pelo contrário, tenha sido um dia de luta, o qual deixa prever que o dia seguinte será angustioso, é louvável fazer que minha Comunhão centre-se nessa dificuldade, dizendo: “Senhor, em vossa agonia no Horto, quando suastes sangue, Vós fizestes a seguinte oração: ‘Pai, se for possível, afaste-se de mim esse cálice, mas faça-se a vossa vontade e não a minha’; Senhor, eu temo o que vai me suceder, e estremeço de terror diante de uma hipótese que me gela até os ossos. Peço-Vos, através de vossa Mãe Santíssima, que afasteis de mim essa provação, mas, se essa não for a vossa vontade, faça-se a vossa e não a minha. E Vos peço que isso concorra para o bem de minha alma”.
Podemos rezar repetidas vezes nesse sentido, no momento em que se recebe a Eucaristia: “Senhor, Vós estais presente em minha alma, com inteira intimidade. E não pode haver intimidade maior que a vossa, quando, através da Sagrada Comunhão, Vos fazeis presente numa alma. Neste momento de dificuldade, Vos peço que ouçais o brado de angústia vindo de minha alma. Quantos Salmos inspirados por Vós foram também brados de angústia! Aqui está também o meu: Tende pena de mim, e atendei-me”.
Desenvolver a ação de graças em função das necessidades diárias
Muitas vezes, para bem nos prepararmos para o divino encontro com Jesus na Eucaristia, bastará nos lembrarmos de algo que lemos em algum livro de piedade, que nos marcou profundamente, ou então de alguma graça que recebemos no decorrer do dia.
Às vezes, algum aspecto novo de Nossa Senhora nos impressiona. Neste caso, nossa preparação poderá ser: “Nossa Senhora é Mãe de Nosso Senhor; Ele concedeu a Ela tal privilégio que eu não conhecia. Vou pedir a Ela que me obtenha na Sagrada Eucaristia tal favor que necessito”.
A propósito de qualquer movimento de piedade durante o dia, pode-se articular a Comunhão e depois a ação de graças. Caso tenhamos um dia de grande alegria, e essa alegria tenha sido um sinal manifesto da bondade de Nossa Senhora e de Deus Nosso Senhor para conosco, podemos fazer a ação de graças tomando em consideração esta graça recebida.
Quem recebe uma manifestação da bondade de Deus, deve contemplá-Lo como Ele se mostra: sorridente, afável, manifestando afeto e desejo de proteger-me. Neste caso, quando recebê-Lo, devo adorar n’Ele a bondade, o amor especial que Ele me tem, o encorajamento que Ele quis me dar em meu apostolado ou em minha vida interior.
“Ubi Spiritus, ibi libertas”, onde está o Espírito Santo, aí sopra a liberdade. Enfim, há uma tal variedade de movimentações das almas, que é impossível descrever todos os métodos que cabem para alguém fazer a Sagrada Comunhão. Aqui ficam, entretanto, algumas sugestões.
Plinio Corrêa de Oliveira
(Extraído de conferências de 28/3/1967 e 4/2/1984)
1) I Cor 15, 41.